domingo, 12 de outubro de 2008

ARTIGO PUBLICADO EM VALOR ECONÔMICO DE 19/08/08

O minoritário e a troca de controle na Aracruz

Salvador Sícoli Filho19/08/2008


Uma das maiores transações de aquisição de controle está em vias de acontecer e merece alguns comentários. Num setor onde o Brasil é campeão mundial de produtividade e mudou a rota de processo de todo o segmento, a investida do grupo Votorantim no papel de principal produtor mundial de celulose de fibras curtas só mereceria encômios. A não ser por alguns aspectos que passamos a elencar.

É estimulante o grande desenvolvimento havido no mercado de capitais brasileiros de 2002 para cá e a arremetida final que teve no ano de 2007, quando chegaram ao ápice a liquidez internacional e os recursos externos refletidos na intensa onda de abertura de capital de um grande número de companhias brasileiras. Este cenário foi bem retratado em riquíssimo artigo do professor Roberto Teixeira da Costa, no Valor, no último dia 12 de agosto. Aliás, frise-se, um dos grandes pioneiros e desbravadores do mercado de capitais brasileiro.

No entanto, a reboque dessa fulgurante onda de aberturas e algumas transações de grande vulto. Recorde-se aqui as incursões internacionais do grupo Votorantim na área de metais, da Gerdau com compras semeadas na América Latina, nos Estados Unidos e na Espanha. Sem falar na disparada inconteste da internacionalização da Vale os eventos surpreendentes como a tacada arrojada da InBev em seu intento de aquisição da Anheuser-Busch.

Dentro desse contexto, não chega a surpreender movimentos internos em função de trocas de gerações de controladores e/ou interesses de unificar companhias para ganhos exponenciais de escala. Recentemente, a Petrobras contribuiu de forma exuberante para a reorganização do machucado setor petroquímico nacional, vítima das agruras bruscas da evolução inaudita dos preços de petróleo que atingiram seu principal insumo.

O que surpreende é que, dentro desse novo conceito de responsabilidade social, de emergente governança corporativa, sejam reincorporados hábitos que não condizem com a pujança demonstrada pela rejuvenescida atitude das empresas em respeito ao importante componente indutor de suas possibilidades de arregimentação de recursos, que é o exército crescente de pequenos acionistas.

Ao relatar ao mercado a intenção de adquirir a parcela de 28% detidas pelo grupo Lorentzen, o grupo Votorantim se apressou em outro comunicado divulgado em paralelo que, corrigindo informações anteriores de web-conference da empresa, não seria extensiva aos minoritários a proposta pela aquisição do controle, visto já serem três grupos, mediante acordo de acionistas, detentores do controle.

No mesmo dia, os agentes de mercado e que por força de atenção profissional leram ou receberam das empresas envolvidas os comunicados, trataram de expressar na prática o resultado apressado de sua leitura. As ações ON da Aracruz foram agraciadas com uma inédita perda que chegou no ápice no dia de 30%, encerrando a sessão com desvalorização de 26,7%.

Mas, o que se quer aqui propagar são exatamente fatores que não podem ser desprezados sob pena de introduzir um gravoso procedimento no círculo virtuoso de ascensão do nosso mercado de capitais.

Ao BNDES, como principal acionista minoritário da Aracruz e que foi vetor primordial no financiamento da implantação do segmento celulose no Brasil nos anos 70, caberá papel relevante na decisão de buscar agora o resgate justo para sua atuação como agente fomento. Ele estará defendendo o seu "funding" para novos investimentos, para sua aplicação numa empresa já consolidada e para os outros preocupados minoritários.

E da CVM, como guardiã das leis do mercado, espera-se com alentada parcimônia que enxergue os direitos indiscutíveis dos pequenos. O que não se pode admitir como conveniente ao florescimento do mercado de capitais é que grupos atropelem as leis e as boas práticas em pretenso nome da consolidação e sinergia de interesses prejudiquem os pequenos acionistas.

O notável grupo Votorantim, por sinal, não é neste quesito um bom exemplo: basta a constatação de que sua melhor estrela aberta entre a constelação de empresas que o formam não disponibiliza uma única ação ordinária na bolsa. E, neste caso, a compra da pequeníssima parcela de ações ordinárias nas mãos dos minoritários seria o único e correto caminho para não transgredir a Lei 6404/76 e suas complementares nos artigos que tratam da responsabilidade do acionista controlador perante possíveis abusos de poder em prejuízo aos minoritários.

Salvador Sícoli Filho é diretor da Salsifi Consulting, consultor de empresas e especialista em mercado de capitais e direito societário

E-mail salsificonsulting@yahoo. com.br

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial