OS USA PRECISAM IR AO FMI.
Salvador Sícoli Filho – 10/04/09
Enquanto a arrogância americana perpetuar a utilização do dólar como padrão monetário, não se diluirão os efeitos causadores de uma recessão longeva e hostil para a maioria dos países.
Quase sete meses depois de tornado público o desenlace do sistema financeiro internacional as autoridades das principais economias da terra continuam em busca da fórmula de reversão para a devastação ocorrida no sistema.
Por óbvio, esta pesquisa se tornou insensata na medida em que foi pilotada exatamente pelo país causador ou epicentro do terremoto que varreu para a condição de cinzas todo o arcabouço de paradigmas e conceitos que erigiram o mito de mercados autorreguláveis.
Mercados onde os componentes financeiros sempre imperavam contra os arautos dos outros segmentos que pregavam a prudência e a contenção dos maquiavélicos poderes sem limites das instituições bancárias. Até que produziram a capitulação destes diante da formidável geração de produtos tão sofisticados quando eivados de artefatos de alto poder de contaminação.
Não foi outra a seqüência do jogo ao longo dos últimos dez anos com a admissão ao estranho mundo dos negócios de derivativos de empresas do setor produtivo de retrospecto imaculado de sucesso nas suas operações normais e que passaram, incentivadas pelos elaboradores e operadores do sistema, a admitir como comuns operações antes impensáveis para posturas conservadoras de administração de ativos.
Empresas de países como o Brasil também se viram acossadas e alvo de mirabolantes contratos de hedge e de derivativos altamente tóxicos com cláusulas desconexas na paridade e que induziram operações produtivas saudáveis a se contaminarem em instrumentos de duplo pêndulo como os iníquos contratos de câmbio do tipo target - forward que somente aqui entre nós não sofreram contestações judiciais.
Empresas e países atraídos pela possibilidade do hedge de seus ativos enveredaram assim para a especulação através de mecanismos atalhos do caos.
O castelo de areia de bancos se esvaindo em pó, teve um impacto devastador a partir de 15 de setembro passado e o grande erro foi multiplicado pelo despreparo em que se encontrava a comunidade internacional para lidar com hecatombe de tamanhas proporções. E o primeiro grande erro foi se aceitar o jogo do croupier maior. Aquele que impregnou o sistema de instrumentos tóxicos que se retroalimentavam na insana perspectiva de produzir uma corrente inesgotável de felicidade.
Assim como Bernard Maddof em seu inusitado mundo de US$ 80 bilhões em desvios, os USA vinham produzindo há anos uma formidável corrente da felicidade. A partir da organização de uma extraordinária economia de mentira afiançada por enormes déficits fiscais, balança comercial devedora, desequilíbrios na previdência e outros, conseguiram atrair o mundo para um mercado consumidor monumental e altamente volátil pois que sustentado em quimeras e múltiplos cartões de crédito de ampla rolagem.
Consumidores sendo seduzidos ao longo do tempo até se incorporarem nesta alavancada areia movediça os últimos segmentos não atingidos pela horda de vendedores de ilusão: os consumidores sem renda declarada e que estavam à margem do processo de riqueza sob a égide do moto-contínuo e que originaram a bomba fantástica do sub-prime e suas hipotecas demolidoras.
Com consumidores movidos a crédito fácil e a combustível extremamente barato para sua condição de dependente do resto do mundo, poderiam os USA perpetuar a sua auréola de líder do mundo?
Até agora o poderio militar incomparável americano parece ser o anteparo para o que deveria ser uma reação em cadeia do resto do mundo. Um ultimato centrado na revolução dos cânones ditados pela arrogância emanada das ações governamentais americanas. Como tutores emplacados do mundo, viram-se na adversidade criada por eles mesmos, como fonte fidedigna para solver o mundo de suas burlescas aventuras de consumo e de riqueza.
Por que então se curva o mundo ante a propostas tão insólitas e que não propiciarão alento como aquelas que vinham sendo pregadas por Bush, Greenspan, Bernanke e depois, por desarvorados e surpresos como Thimothy Geithner e Barak Obama.
Será mesmo o novo presidente o homem certo no momento errado?!
No momento em que os USA quebraram ao manter déficits monumentais e longe do arbítrio do resto do mundo, nada mais justo do que se antepor ao vigor incólume do dólar e dos treasuries de longo prazo de uma economia prestes a desabar como sói acabou acontecendo.
Porque não se deu tal desenlace?
Por que não se mudaram os padrões e continuaram a arquitetar a insana medida de emitir moeda para injetarem em gigantes conglomerados falidos pela própria imoralidade de suas administrações?
O escândalo dos bônus repassados a administradores de instituições falidas nada mais é do que retrato vivo de mentes arrogantes e padrões comportamentais hipócritas cultivados há longos anos pelo american way of life capitaneado por espertos executivos financeiros.
Os USA no seu rompante de líder de um mundo pelo poder das armas de uma ética ultrapassada e de um poderio bélico destroçado por arremetidas cada vez mais deslocadas em razões subsidiárias como a guerra do Iraque, conseguem ainda apoio do Reino Unido, em nítida contrafação econômica, junto com uma Itália cambaleante há uma década. Mas não convencem e nem seduzem com seu contorcionismo, líderes mais pragmáticos como Nicolas Sarkozis e sobretudo a austeridade econômica emanada de Ângela Merkel.
Assim como países em convulsão ao se repararem em défault recorreram ao IMF, por que os líderes ultrapassados do mundo ao verem no espelho as mazelas acumuladas por anos de imprudência não recorrem ao único instrumento válido para falidos ou inadimplentes?
Ao emitir bilhões de dólares para injetar em bancos tornados cada vez mais monumentais pelo insidioso equívoco de engolirem outros bancos igualmente grandiosos em suas falências, os USA estarão somente fornecendo arsênico para as gerações futuras. Não resolverão o problema atual, criarão mastodontes inúteis pois a azia de gigantes, ao invés de propiciar a saúde, produzirão uma devastadora e letal indigestão.
Assim fica uma estupefata sensação de que os dirigentes mundiais estão somente adiando e empurrando com a barriga problemas sobre os quais não visualizaram ainda a solução.
A injeção de recursos em bancos em dificuldades não resolverá o problema da inexorável quebra de confiança dos cidadãos depositantes e aplicadores nestas mega instituições. Então por que mantê-las às custas de novas contribuições dos contribuintes? - Cálculos recentes indicam uma emissão de US$ 3 trilhões para um necessidade de aporte eivada de suspeições pois elaboradas por integrantes do sistema recém dinamitado. Isto conduz a um coeficiente simples de contribuição compulsória de cerca de US$ 42mil por cidadão!
Melhor não seria a nacionalização? Ou como foi feito no Brasil nas quebras de instituições financeiras postas em regime de liquidação extrajudicial com seus acionistas controladores tendo seus bens colocados em indisponibilidade e tudo perdendo seus acionistas sedimentados e minoritários?!
É certo que, com o deflagrar oficial da crise, os pequenos acionistas americanos trataram de vender suas ações a que preço fossem. Restaram assim no circuito praticamente os grande especuladores. Exatamente aqueles que são os grandes responsáveis pela tragédia universal. Conduzi-los ao pó na atual conjuntura parece ser menos injusto do que atribuir à sociedade como um todo o prejuízo pela irracionalidade de administradores financeiros sem escrúpulos.
Em recente passado países pobres recorreram ao IMF e padeceram anos sob os rigorosos ritos de seu receituário. Obrigados à contenção de seu déficit público, a manter sobre controle rigoroso o seu endividamento e barrando o débito fiscal, deveriam agora os novos pobres também se submeter aos cáusticos princípios necessários para se restabelecer os padrões mínimos aceitáveis para se reinstalar a credibilidade.
É certo que padecerão as trocas comerciais mundiais com a retirada de parcela considerável de relações com o outrora principal país do mundo, mas sentencia-se que, deve o mesmo arcar agora com as conseqüências da irresponsabilidade com que conduziu práticas inafiançáveis de sustentação do crescimento de seu produto interno.
Haverão danos ao fluxo das relações internacionais mas não se pode subestimar os efeitos ainda mais nocivos do que a revascularização do sistema ancorada na impressão de dinheiro fraco na origem e mantido artificialmente forte para preservar um status quo que respira por aparelhos.
Melhor fazer já a cirurgia. Em todo o caso a economia padecerá por longos anos dos efeitos perniciosas das ações deletérias do extenuado e exaurido gigante dos pés de barro.
Não há que se fugir desta realidade queira o devaneio americano, quer não.
Ao seguir o receituário repaginado de um novo IMF, o governo americano verá o dólar se deslocar para seu verdadeiro valor, muito aquém da realidade atual. E terá noção exata de como lhe será útil tal desconforto no apoio a suas atividades de exportação, na contenção de compras de quinquilharias a automóveis de gala da Ásia e quem sabe assim, libertos do seu incrível déficit comercial poderão finalmente reerguer suas finanças combalidas e seu destruído arsenal industrial.
Livre das amarras de um sistema financeiro falido e com a reinserção de bancos pequenos e regionais estes sim subsidiados ao início pela ação de um novo FED e de um revitalizado Tesouro, poderão os americanos se reencontrar como nação e quem sabe ainda competir com a China desfalcada de grande parte de suas reservas estocadas puerilmente em dólar.
Afinal não é justo que a sociedade mundial, criada pela globalização, venha a ser penalizada pela ação intempestiva do sistema financeiro com a produção deste fenomenal terremoto financeiro cujo epicentro foi gerado em Wall Street e suas coligadas adjacências.
O crime não pode permanecer eternamente impune. Há responsáveis e não há como se postergar a penalização sem a qual a falta de confiabilidade do sistema perpetuará as suas agruras.
Ao IMF deveria caber o papel de administrar o espólio estadunidense. E também dentro da nova característica de exercer um papel exponencial de agente regulador das operações financeiras.
A comunidade financeira internacional deveria então redimensionar imediatamente as ações do IMF proporcionando recursos em teor suficiente para recepcionar o USA com toda a pompa e circunstância que a imensa e exaurida arrogância americana requer. E é lógico que US $ 750 milhões e mais US$ 250 milhões em DES não são suficientes para essa recepção. Talvez três vezes mais. Mas tudo acertado e dirigido por este organismo que ressurge das cinzas como entidade maior para as penúrias latentes nos quatro cantos do mundo após as ondas de liquidez que o relegaram ao esquecimento.
Mas não há outro caminho.
E sem fanfarronices como a do Brasil e seu oportunista dirigente a espocar foguetes como emprestador de recursos a quem já lhe foi carrasco por ofício.
Afinal lá na frente e não muito longe poderemos vir a ter novamente de recorrer ao fundo.