sábado, 28 de agosto de 2010

BNDES e a capitalização da Petrobras: um falso dilema

Para fazer política industrial, o incentivo deveria ir direto para os fornecedores.

BNDES e a capitalização da Petrobras: um falso dilema


Mansueto Almeida
29/07/2010


No ano passado, o BNDES emprestou para inovação no Programa de Sustentação do Investimento (PSI) apenas R$ 300 milhões, valor irrisório ante os R$ 137 bilhões liberados pelo banco

O leitor atento ao debate atual deve estar surpreso com tamanha discordância quanto à atuação do Banco Central, BNDES e Tesouro Nacional. O debate atual, no entanto, parece tomar a forma de uma falsa dicotomia entre aqueles que são contra as políticas setoriais e de investimento e aqueles a favor da mesma.

O debate quando colocado nesses termos, ao invés de esclarecer, prejudica a real avaliação dos custos dessas políticas. Dois exemplos são suficientes para corroborar essa tese.

Primeiro, o falso dilema entre "fortalecimento" versus "não fortalecimento" do BNDES. O Tesouro Nacional aumentou a dívida pública para emprestar R$ 100 bilhões em 2009 e R$ 80 bilhões em 2010 para o BNDES, a taxa de juros subsidiadas. Essa política tem um custo, mas também traz benefícios ao permitir um aumento da capacidade produtiva da economia brasileira. Acontece que parte da expansão do crédito do BNDES não é direcionado para aumento da capacidade produtiva, e outra parcela substancial dos empréstimos direciona-se para empresas que estão entre as mais competitivas do Brasil e, portanto, não precisariam da ajuda do BNDES.
Os dois maiores empréstimos diretos do banco para área industrial, em 2009, R$ 3,5 bilhões liberados para a JBS com o objetivo de ajudar a internacionalização da empresa e a compra de ações ordinárias da Brasil Foods (antiga Perdigão) no valor de R$ 750 milhões, não aumentaram a capacidade produtiva da indústria. Da mesma forma, os recursos do programa PEC-BNDES para capital de giro (R$ 6 bilhões), as operações de financiamento ao comércio exterior (R$ 16 bilhões), a compra do crédito do Tesouro junto à Eletrobrás (R$ 3,5 bilhões) e a parcela de 30% dos projetos de investimentos que vai para capital de giro também não aumentaram a capacidade produtiva. Apenas 60% ou menos dos recursos liberados pelo BNDES aumentam a capacidade produtiva.

O debate em relação ao BNDES é simples. A literatura de política industrial mostra que o governo deve incentivar as atividades de inovação e mesmo o desenvolvimento de novos setores que não sabemos ex-ante se seremos ou não competitivos. No ano passado, por exemplo, o banco emprestou para inovação no âmbito do Programa de Sustentação do Investimento (PSI) apenas R$ 300 milhões, um valor irrisório para os R$ 137 bilhões liberados pelo banco. Dado que há necessidade de priorizar os empréstimos do banco, a pergunta pertinente é se, de fato, o Tesouro Nacional deveria ter aumentado tanto a dívida bruta para financiar operações de fusões e aquisições, internacionalização de empresas, emprestar R$ 25 bilhões subsidiados para a Petrobras ou mesmo compensar com recursos subsidiados as restrições impostas ao preço máximo das tarifas no processo licitatório nos setores de energia e transporte.

Segundo, a recente autorização para capitalização da Petrobras e o tratamento diferenciado que a empresa recebe do BNDES (ao contrário da regra para os demais grupos empresariais, o BNDES passou a considerar cada uma das subsidiárias da Petrobras como cliente distinto para fins do limite de exposição por cliente de acordo com a Resolução CMN nº 3.615/2008) nos leva a outro falso dilema entre aqueles que são a favor da Petrobras e aqueles que são contra a empresa. O debate não é esse.

A Petrobras é a única companhia da América do Sul na lista das 50 empresas mais inovadoras do mundo de acordo com levantamento feito neste ano pela Boston Consulting Group e também a empresa brasileira mais bem colocada no ranking das 500 maiores corporações do mundo da revista "Fortune". Além disso, com as mudanças recentes na Lei do Petróleo, a petroleira passou a ser operadora única dos campos do pré-sal a serem licitados. Uma empresa desse tipo tem acesso a financiamento em qualquer país do mundo. Por que ela precisou de um empréstimo subsidiado do BNDES de R$ 25 bilhões?
Como se sabe, esse dinheiro não estava parado no BNDES e o Tesouro Nacional teve que emitir R$ 25 bilhões em títulos públicos para viabilizar a operação. Da mesma forma, por que a capitalização autorizada da Petrobras com recursos públicos foi equivalente em até 5 bilhões barris de petróleo e não menos? Esse debate é importante porque 1 bilhão de barris (algo por volta de R$ 10 bilhões) é quase quatro vezes o orçamento dos Fundos Setoriais (R$ 2,6 bilhões em 2009), que são os principais instrumentos de financiamento à inovação no Brasil e que tiveram menos da metade do seu orçamento efetivamente liberado em 2009.
Ou seja, temos recursos para mais do que duplicar o financiamento à inovação e ainda assim fortalecer a Petrobras. Por que então a excessiva ênfase na capitalização da Petrobras em R$ 50 bilhões com recursos públicos e nos empréstimos subsidiados para a empresa, que é uma das mais inovadoras do mundo? Para fazer política industrial? Mas nesse caso o incentivo deveria ir direto para os fornecedores da empresa e não para ela.

Em resumo, o debate não deveria ser colocado entre aqueles que são contra e aqueles a favor do fortalecimento do BNDES e da capitalização da Petrobras. O mesmo raciocínio vale para o debate quanto ao financiamento da usina hidrelétrica de Belo Monte e também para o trem- bala, uma obra que não é prioritária como é a expansão, ampliação e modernização dos portos, aeroportos e rodovias. No Brasil, é muito mais fácil expandir a dívida pública em R$ 200 bilhões para financiar novos programas setoriais do que aumentar os gastos anuais com educação em R$ 500 milhões, já que neste caso a Lei de Responsabilidade Fiscal exige a definição de uma fonte permanente de recurso e, no caso de novas emissões de dívida, não há essa exigência.
Assim, seria melhor para todos que o debate atual se concentrasse nas condições (valores e taxas) dos empréstimos do Tesouro Nacional ao BNDES, no uso que o BNDES faz desses recursos, no acesso privilegiado da Petrobras a recursos públicos e no uso alternativo desses recursos, ao invés do falso embate do bem contra o mal.
Mansueto Almeida é economista do Ipea, Brasília).