quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O RATO QUE NÃO RUGIU

O mundo precisa de um setor bancário menor e mais seguro.



Martin Wolf


Para comemorar o segundo aniversário da queda do Lehman, a montanha da Basileia se empenhou vigorosamente e apresentou um rato. Desnecessário dizer, o setor bancário insistirá em afirmar que o rato é um tigre prestes a devorar a economia mundial. Essas alegações unilaterais, nas quais esse setor mimado é especialista, devem ser ignoradas: remover incentivos para o comportamento temerário não é um custo para a sociedade; é um custo para os beneficiários. Esse não deve ser confundido com aquele. O mundo precisa de um setor bancário menor e mais seguro. O defeito das novas regras é que elas não farão isso.

Estou sendo severo demais? "As agências reguladores do sistema bancário global... selaram um acordo para... triplicar o tamanho das reservas de capital que os bancos do mundo deverão deter contra perdas", diz o "FT".

O novo pacote estabelece um coeficiente de capital ponderado pelo risco de 4,5%, mais que o dobro do nível atual, de 2%, mais um novo colchão de conservação de 2,5%. Bancos cujo capital se enquadrar na zona de conservação enfrentarão restrições sobre pagamento de dividendos e gratificações opcionais. Portanto, a regra estabelece um piso efetivo de 7%. Mas os novos parâmetros deverão ser implantados até 2019. Até lá o mundo provavelmente já terá presenciado uma ou duas crises.

Os reguladores estão tentando tornar o sistema financeiro atual menos inseguro. O mundo não pode se permitir outra crise dessas por pelo menos uma geração. Por esses padrões, o que está surgindo é insuficiente. Esse rato jamais rugirá alto o bastante.
Vejam só, que surpresa: representantes do setor apresentam estimativas praticamente oito vezes maiores. O relatório oficial responde acidamente que: "As estimativas do setor presumem que, na falta de qualquer reforço de regulamentação, os bancos preferirão aumentar a sua alavancagem nos próximos anos, retornando aos níveis que prevaleceram imediatamente antes da crise; que o retorno sobre o patrimônio exigido das instituições financeiras aumentará à medida que a rede de segurança do governo enfraquecer; e que o vínculo entre o crescimento do crédito total e o PIB real é praticamente a média em relação ao período de alto crescimento do crédito que precedeu a crise".

Qualquer um desses tipos de exibição dos custos da regulamentação equivale a Hamlet sem o fantasma: ela ignora o que move a trama. Não podemos avaliar o custo da regulamentação sem reconhecer alguns fatos: primeiro, tanto a economia como o sistema financeiro acabam de sobreviver a uma experiência quase fatal; segundo, os custos da crise incluem milhões de desempregados e dezenas de trilhões de dólares em perda de produção, conforme argumentou Andy Haldane, do Banco da Inglaterra; terceiro, os governos resgataram o sistema financeiro com a socialização dos seus riscos; por último, o setor financeiro é o único que detém acesso ilimitado à carteira do público e, consequentemente, é, de longe, o mais subsidiado do mundo.

É necessário retornar aos princípios básicos na avaliação dos alegados custos das exigências de mais capital (e liquidez). Primeiro, é incorreto que o capital é caro, conforme artigo de Anat R. Admati e outros, da Universidade Stanford, assim que levamos em conta o fato de que mais capital reduz o risco para credores e contribuintes, como deveríamos. Menos capital significa retornos mais altos, mas também risco mais elevado.

Segundo, na medida que os credores arcam com o custo do fracasso, mais capital significa dívida mais barata. Portanto, se os subsídios fossem retirados da dívida, a alteração da relação entre capital e dívida não deveria afetar os custos de obtenção de recursos para o balanço patrimonial.

Terceiro, se os contribuintes arcam com o risco, mais capital compensa esse subsídio implícito. O público em geral tem interesse zero, a bem da verdade, tem um interesse negativo, em subsidiar a tomada de risco dos bancos, de forma geral. Por esse motivo, o subsídio que ele oferece fornecendo seguro grátis deve ser compensado pela imposição de exigências de capital mais elevadas.

Quarto, o público tem um interesse em impor exigências de capital mais elevadas que aquelas que qualquer banco individual estaria disposto a arcar, no seu próprio interesse. Bancos geram risco sistêmico endogenamente. Esse custo deve ser incorporado pelos tomadores de decisões. Mais capacidade de arcar com risco é uma forma de fazê-lo.

Por fim, na medida em que o público quer uma forma específica de tomada de risco subsidiada - conceder empréstimos a empreendimentos de pequeno e médio porte, por exemplo - ele deve fazê-lo diretamente. Subsidiar o sistema bancário como um todo, persuadi-lo a assumir o que é meramente uma pequena parte da sua atividade é ineficaz.

A conclusão, portanto, é que as exigências de capital precisam ser muito mais altas, talvez chegando até a 20% ou 30%, sem a ponderação de risco. Então seria possível prescindir das várias formas de capital casual que têm muito maior probabilidade de exacerbar do que aplacar o pânico numa crise. É só porque nos acostumamos com essas estruturas excepcionalmente frágeis que essa demanda parece ser tão ultrajante.

Isso não implica que neguemos dois enormes problemas. Um deles é que qualquer transição dessas equivalerá a tirar drogas de um viciado. A forma mais simples de reduzir custos ao mínimo seria que os governos subscrevessem o capital adicional e, assim, ao longo do tempo, vendessem o que levarem ao mercado. O outro é que existe um extraordinário potencial para arbitragem regulatória, com riscos se deslocando por todos os lados no sistema. Esses riscos podem facilmente voltar a desabar sobre o sistema bancário.

Os reguladores estão tentando tornar o sistema financeiro atual menos inseguro, progressivamente. Isso é melhor do que nada. Mas não criarão um sistema seguro. O mundo não pode se permitir outra crise dessas por pelo menos uma geração. Por esses padrões, o que está surgindo é simplesmente insuficiente. Esse rato jamais rugirá alto o bastante.

Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT

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